As pessoas brigam por inúmeros assuntos, mas, no fundo, os reais motivos são menos numerosos do que se possa pensar.
Vamos considerar como “brigar” os seguintes comportamentos:
- atacar e contra-atacar uma pessoa ou grupo;
- utilizar sua energia para lutar, polemizar, gerar tensão negativa;
- agir ou reagir com raiva, ódio, violência física ou verbal;
- criar polos opostos com agudização das posições contrárias.
Certamente, você faz, já fez ou participou de alguma situação assim.
Friso aqui um ponto importante: ninguém briga sozinho. A briga demanda, no mínimo, duas pessoas. Então, pense bem antes de sair julgando quem supostamente começou o embate, pois, se houve briga, você participou de algum modo – agindo, reagindo ou criando condições para que o confronto de desenvolvesse.
Definido o sentido de brigar, então, voltamos à questão: por que as pessoas brigam?
Não importa o mérito ou conteúdo da disputa, não importa se é por futebol, política ou religião. Não importa se é no trânsito, no trabalho ou no processo de divórcio. Pode até ser pela cor das paredes do condomínio, pela fatura do cartão de crédito ou pelo post do colega nas redes sociais. Ou, quem sabe, pelo valor da comissão, pela fila da vacina ou pela vaga de estacionamento.
Poderia listar páginas de assuntos, mas, honestamente, o tópico da briga não faz tanta diferença assim.
Fomos ensinados a lutar para vencer e a brigar “até o fim”. Isso ocorreu não apenas por imposição social, mas por função biológica.
Nossos antepassados das cavernas precisavam brigar para sobreviver, precisavam combater inimigos reais (principalmente animais ferozes) que, caso não eliminados, lhes custariam a vida.
Ainda carregamos tais instintos na parte primitiva de nosso cérebro, especialmente no tronco cerebral e no sistema límbico. Embora tenhamos superado as adversidades da vida selvagem, nosso organismo responde ao sentimento de ameaça da mesma forma como há milhares de anos. A diferença é que, agora, somamos a isso toda carga racional e cognitiva gerada no neocórtex pré-frontal, cuja “linguagem” não é a mesma da emocional, quando se trata de caminhos neurais. A “tradução” dessa miscelânia pode ser algo tipo suor, taquicardia e tremor nas mãos durante uma discussão sobre o orçamento de marketing na reunião mensal do departamento financeiro.
A questão a analisar é: por que nosso cérebro enxerga simples fatos do dia-a-dia como ameaças de vida ou morte?
Você pode até reagir dizendo que não briga por fatos simples, mas somente por questões muito relevantes. Lamento dizer que a justificativa de brigar por grandes causas da humanidade é apenas seu cérebro lhe iludindo para não reconhecer as próprias dores. E, também, os fatos que, em sua mente, tiveram representações muito graves e estão presos em seu inconsciente. Tudo serviu de alimento para criação de mecanismos de defesa.
Afora a questão biológica, portanto, o que faz a derrota do seu time de futebol desencadear a terceira guerra mundial no grupo de Whatsapp?
Ou: por que você xinga seu amigo de infância no Facebook quando ele discorda de sua posição política?
Podemos seguir por horas com essas perguntas, veja:
Por que você vai às vias de fato com o motorista que pegou a vaga de estacionamento que você usaria?
Por que o marido bate na esposa quando ela recebe elogios de outros homens?
Por que a mãe grita com o filho pequeno quando ele pinta o sofá de caneta?
Por que uma pessoa atira em outra para matar quando seus deuses não são os mesmos?
No entanto, a pergunta certa a fazer seria a seguinte:
O que o fato à sua frente dispara em seu inconsciente que lhe faz reagir de forma violenta, independentemente se o “adversário” é um estranho ou um ente querido?
Dizendo de outra forma: por que aquele fato específico, o agir daquela pessoa, ou algum tipo de situação, faz seu cérebro pressionar o gatilho de armas internas?
Na maior parte das vezes, as brigas começam sem que tenham sido planejadas, ou seja, por ato-reflexo, reação inconsciente.
As pessoas brigam, principalmente, porque:
- a) querem ser ouvidas
- b) precisam se sentir pertencentes
- c) não superaram traumas
- d) possuem problemas de autoestima
- e) sentem-se injustiçadas.
Todos os motivos acima não têm relação direta, na maior parte das vezes, com o assunto da briga, mas com experiências passadas, especialmente da infância e adolescência, que produziram um mecanismo de defesa, o qual funciona como uma espécie de impulso padrão.
Assim, todas as vezes que uma situação gera a mesma sensação gerada pelo trauma original ou pela sucessão de dores que produziram o mecanismo de defesa, na infância ou na adolescência, o gatilho é acionado e a reação emocional aguda ocorre.
Importante dizer, também, que tal reação independe de sua capacidade cognitiva.
Isto é, seu QI pode assemelhar-se ao de Eisntein e, ainda assim, você poderá perder o controle e bater boca com a vizinha do andar de cima pela infiltração no banheiro.
O que vai determinar se você é capaz de não acionar seus gatilhos é seu grau de inteligência emocional.
Obviamente que, quanto maior a inteligência racional, mais facilidade você terá em buscar e acessar as ferramentas de autodesenvolvimento. Mas a vantagem para por aí. Conheço pessoas com alto QI e baixíssima capacidade de gestão emocional, ao passo que há pessoas com menor amplitude cognitiva e vantajoso trânsito pelas subjetividades da mente e das relações humanas.
Recapitulando: brigamos para nos ouvirem, para fazermos parte de algo, para não encarar nossos traumas, para nos autoafirmarmos e para fazer justiça. Tudo isso de forma inconsciente.
Reação pura, fruto de mecanismo de defesa criado por nosso cérebro para proteger a criança que ainda não tinha condições de entender e lidar com os cenários aos quais estava exposta.
Essa criança ou adolescente ferido ainda está bem vivo em nós, justamente na forma desses mecanismos de defesa.
por Luciana Farias