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Artigos e Notícias

EMARANHAMENTO SISTÊMICO

O criador do Direito Sistêmico, o juiz brasileiro Sami Storch, fez um trocadilho bem humorado com a frase da célebre obra de Saint Exupèry: “o essencial é invisível aos autos”!

Significa dizer que o exposto no processo não reflete a real dor das partes e os reais motivos pelas quais, na maioria das vezes, estão litigando.

Baseado nos ensinamentos e experiência prática do filósofo, teólogo e pedagogo alemão Bert Hellinger, de quem foi aluno direto, o Dr. Sami passou a aplicar as leis sistêmicas na resolução de conflitos presentes em processos judiciais, especialmente na Vara de Família.

Atualmente, a metodologia das Constelações Sistêmicas Familiares é aplicada em larga escala e aceita em todo o Poder Judiciário como ferramenta de solução alternativa de conflitos.

O que, afinal de constas, não aparece claramente nos autos?

Para responder, é preciso entender as Leis Sistêmicas identificadas e estruturadas por Hellinger, por meio de sua ciência de viés fenomenológico.

As leis sistêmicas são chamadas por Bert Hellinger de “ordens do amor”, pois demonstram forças instintivas e automáticas que regem todas as relações humanas.

Ele observou, durante décadas de estudos e realização de práticas de constelação, que todo ser humano se encontra “emaranhado” (este é o termo utilizado) em problemas decorrentes da ação de leis naturais, passados de geração em geração, nos sistemas familiares.

Além disso, os emaranhamentos dos sistemas individuais se agravam, quando se formam novos relacionamentos pessoais e organizacionais, gerando cada vez mais conflitos.

Todos nós trazemos em nosso DNA, e pelo inconsciente coletivo de nossos sistemas, uma série de questões relacionadas ao não respeito às leis sistêmicas.

De forma simples, podemos dizer que Bert Hellinger identificou 3 leis ou ordens sistêmicas: pertencimento, hierarquia e equilíbrio.

O pertencimento refere que todos os membros do sistema familiar têm o direito de pertencer, independentemente de quem são ou do que fizeram. A força do pertencer é inerente ao sistema e este trata de compensar, na maioria das vezes em gerações futuras, os casos de exclusão (casos em que o direito natural ao pertencimento é negado a membro da família). Por exemplo: exclusão de familiares pois criminosos, filhos abortados propositadamente, filhos de outras relações não assumidos, indivíduos tidos como maus ou indesejados na família, como viciados ou com patologias mentais, além de situações ocultadas, tabus e segredos familiares de vários tipos. Tudo que é excluído retorna com roupagens diversas, como forma de compensação à impossibilidade de negar a força do pertencer.

As crianças são as mais suscetíveis a absorverem os problemas decorrentes das negativas do pertencer e da manutenção da exclusão sistêmica, eis que possuem vínculo familiar natural mais forte, por amor e por medo da perda.

A hierarquia ou o direito à ordem diz com a precedência no tempo. Quem veio antes no sistema familiar ou organizacional tem autoridade sobre quem veio depois. Contudo, não se trata de quem mandará em quem, mas quem naturalmente já possuía poder sistêmico quando o outro chegou. Na prática, significa dizer que não podemos interferir na essência dos que vieram antes, como se soubéssemos mais do que eles quanto à própria vida. É o caso dos filhos que que se tornam pais dos pais, invertendo totalmente a ordem, sem respeito à opinião ou história que existiu antes.   Da mesma forma, quando uma pessoa se separa e casa novamente, a primeira família deve ser considerada como força precedente, não podendo ser anulada pela nova como se nunca tivesse existido ou, pior ainda, tida como ruim – o que negaria também o direito ao pertencimento àqueles indivíduos, os quais será parte integrante do sistema para sempre.

O equilíbrio de troca ou a lei do dar e receber refere-se à dinâmica das trocas do que cada um é capaz de dar e de receber. Quando há esse desequilíbrio nas relações, criam-se emaranhados e pendências capazes de gerar sequelas nas gerações futuras também. Todas os desequilíbrios tendem a ser compensados pela força do sistema sobre si mesmo e seus membros. O excesso de entrega por uma das partes da relação, sem a devida entrega equivalente da outra, deteriora o vínculo com o tempo. A lei do dar e receber, contudo, tem uma exceção: pais e filhos, pois os pais dão a vida aos filhos, e estes não tem como compensá-la aos genitores. Somente compensarão ao sistema quando tiverem seus filhos, de quem nada tomarão, mas apenas darão a vida e assim sucessivamente.

Diante disso e dos infinitos emaranhados gerados pelas compensações sistêmicas decorrentes dos desequilíbrios acumulados, é fácil perceber que o processo judicial (procedimento formal burocrático com regras pré-estabelecidas e raramente alteradas) não tem condições de resolver conflitos de forma saudável e, menos ainda, definitiva.

O que decorre do processo judicial é um paliativo, uma solução superficial e momentânea de dores que as partes muitas vezes nem sabem que possuem, mas que as dinâmicas inconscientes tratarão de mostrar na primeira chance repetição de padrão no sistema do indivíduo.

A sentença jamais acessa o essencial. Enquanto não houver um massivo reconhecimento, por TODOS os operadores do Direito, da necessidade de olhar para os indivíduos reais por trás das “partes do processo”, colecionaremos estatísticas sem sentido e fomentaremos a rediscussão dos mesmos problemas, como dramas sem fim em um palco cujas cortinas jamais se fecham.

 

por Luciana Farias