Ineficácia da Lei Estadual n.º 15.433, do Estado do Rio Grande do Sul, que disciplina a idade de ingresso de crianças que não atingiram a idade de 06 anos até a data de corte de 31 de março.
Ao final de 2019, no dia 27 de dezembro, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul sancionou a Lei Estadual n.º 15.433, visando assegurar o ingresso de crianças com 05 anos de idade no 1º ano do Ensino Fundamental.
Tal Lei “Dispõe sobre a idade de ingresso, no tempo certo, segundo a capacidade de cada um”, fixando 3 critérios diferentes de corte etário ao longo do ano em que a criança completar 6 anos de idade, para assegurar o seu ingresso no 1º ano do ensino fundamental:
- a) Quando até a data de 31 de março ela já tiver completado 6 anos de idade: ingresso normal por simples matrícula;
- b) Quando entre as datas de 1º de abril e 31 de maio, ela completar 06 anos e for egressa da educação infantil: com ingresso normal, salvo se os Pais entenderem que a progressão é prejudicial OU quando o professor que a atende na Educação Infantil entender, por meio de parecer que a progressão é prejudicial;
- c) Quando entre as datas de 1º de junho até 31 de dezembro, ela completar 06 anos e for egressa da educação infantil: somente poderá ocorrer a matrícula havendo manifestação expressa dos Pais nesse sentido E parecer de equipe multidisciplinar aprovando a sua progressão.
O que mais surpreende é que tanto a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, pelo parecer da Comissão de Constituição e Justiça, quando da aprovação do projeto de Lei, quanto o Governador do Estado, deixam de observar o princípio da hierarquia das normas e da integração e harmonização entre os sistemas de ensino, desrespeitando tanto o art. 24, IX da CF, quanto a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96).
Isso por que, ignoram as decisões proferidas na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 17 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 292, julgadas conjuntamente pelo STF, em 1º de agosto de 2018.
A ADC 17, proposta pelo Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, pretendia a declaração de Constitucionalidade dos art. 24, II, 31 e 32, caput da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n.º 9.394/96), que estabelece o corte etário para as crianças que tenham 6 anos completos, para ingresso no 1º ano do ensino fundamental, considerando que o marco definitivo para apuração dessa idade deveria ser o início do ano letivo.
Já a ADPF 292, foi interposta pela Procuradoria Geral da República, contra duas normas do Conselho Nacional de Educação (Resoluções CNE/CEB n.º 01/2010 e n.º 06/2010), que justamente estabeleciam a idade mínima e marco temporal de ingresso na Educação básica, ao argumento, aqui muito simplista de que isso limitaria o acesso universal à educação.
A ADC e ADPF foram julgadas conjuntamente pelo STF, em 1º de agosto de 2018, que “botou a casa e ordem” e uniformizou o ingresso no ensino fundamental em todo o território Nacional além de esclarecer que a competência para tanto é do MEC e, por consequência lógica, da União, ao afirmar que “É constitucional a exigência de 6 (seis) anos de idade para o ingresso no ensino fundamental, cabendo ao Ministério da Educação a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário”.
É importante destacar, no que diz respeito a ADPF 292, que o entendimento do STF, pra sua improcedência, foi no sentido de que as exigências de idade mínima e marco temporal lá previstas foram precedidas de ampla participação técnica e social e não violam os princípios da isonomia e da proporcionalidade, nem o acesso à educação.
Pois bem, isso foi exatamente o que o MEC já havia feito em 2010, através das Resoluções n.º 01 e n.º 06, ambas do Conselho Nacional de Educação (CNE) e que eram questionadas da ADPF. Tais resoluções estabeleciam que a criança deveria ter 6(seis) anos de idade completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental.
E estas mesmas resoluções estabeleciam regra de transição afirmando que “As escolas de Ensino Fundamental e seus respectivos sistemas de ensino que matricularam crianças que completaram 6 (seis) anos de idade após a data em que se iniciou o ano letivo deviam, em caráter excepcional, dar prosseguimento ao percurso educacional dessas crianças, adotando medidas especiais de acompanhamento e avaliação do seu desenvolvimento global.
Indo mais adiante, em 05 de outubro de 2018, o MEC editou a Portaria n.º 1.035/2018, homologando o Parecer CNE/CEB n.º 2/2018 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, (Resultando em seguida na Resolução CNE/CEB n.º 02/2018), inspirado na decisão do próprio STF, que assim determinou:
A data de corte etário vigente em todo o território nacional, para todas as redes e instituições de ensino, públicas e privadas, para matrícula inicial na Educação Infantil aos 4 (quatro) anos de idade, e no Ensino Fundamental aos 6 (seis) anos de idade, é aquela definida pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, ou seja, respectivamente, aos 4 (quatro) e aos 6 (seis) anos completos ou a completar até 31 de março do ano em que se realiza a matrícula.
Ainda, dito parecer reafirmou a regra de transição estabelecida anteriormente nas Resoluções de 2010: “Excepcionalmente, as crianças que, até a data da publicação desta Portaria (outubro de 2018), já se encontram matriculadas e frequentando instituições educacionais de Educação Infantil (creche ou pré-escola) devem ter a sua progressão assegurada, sem interrupção, mesmo que sua data de nascimento seja posterior ao dia 31 de março, considerando seus direitos de continuidade e prosseguimento sem retenção.” Já as novas matrículas de crianças, tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental, a partir de 2019, serão realizadas considerando a data de corte de 31 de março, estabelecida nas Diretrizes Curriculares Nacionais.
O MEC ainda frisou que as normatizações vigentes sobre corte etário para matrícula de crianças na pré-escola e no Ensino Fundamental, produzidas pelos sistemas de ensino estaduais e municipais, em dissonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais, necessitariam ser revisadas, para estarem adequadas à data de corte de 31 de março tanto para a educação infantil, quanto para o Ensino Fundamental. Logo, se as normas estaduais existentes precisaram se adequarem e ficarem conforme, muito mais aquelas que vierem posteriormente, como é o caso da Lei Estadual n.º 15.433/2019 do Estado do Rio Grande do Sul.
Assim, sob esta perspectiva a legislação Estadual é ineficaz, nasce sem produzir efeito algum sobre situação de fato e de direito já regulamentada no âmbito de quem tem a competência para tanto: União Federal, que através do MEC, uniformizou o ingresso na educação infantil e no 1º Ano do Ensino Fundamental temporal e cronologicamente. E isso foi claro e categórico no julgamento do STF: o ingresso no 1º ano do ensino fundamental ocorrerá para as crianças que completarem 06 anos até 31 de março, cabendo ao Ministério da Educação a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário.
Desta forma, ainda que se pudesse imaginar válida e eficaz a norma estadual, ela não poderia regulamentar para além do que já foi regulamentado pelo MEC, mas tão somente para aquilo que ainda não foi regulamentado por ele. O que não é o caso. Assim a eficácia da Lei estadual está limitada aos art. 1º e art 2º, I. Já os incisos II e III do mesmo art. 2º, são absolutamente ineficazes, por que a Resolução n.º 02/2018 do CNE/CEB, estabeleceu a data de corte de 31 de março e a regra de transição para aquelas crianças que até a sua edição, ou seja, outubro de 2018, estivessem matriculadas na educação infantil, assegurando o prosseguimento da sua jornada escolar, sem interrupção, o que significa a progresso, para o 1º ano do Ensino Fundamental. Contudo, a partir de 2019, as novas matrículas deveriam respeitar o já referido corte etário, ou seja, sem condicionamentos “criados” pela referida norma estadual.
Então, o Estado do Rio Grande do Sul legisla sobre o que já está legislado, afrontando os § 3º e §4º do art. 24 da Constituição Federal:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(…)
- 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
- 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Sob a perspectiva do §3º do art. 24 da CF, existe lei federal sobre normas gerais de educação: a LDB, que estabelece em seu art. 32 que “O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão”. Existindo a “regulamentação” deste dispositivo através da Resolução n.º 02/2018, CNE/CEB decorrente do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ADC n.º 17 e ADPF n.º 292 que, repete, definiu a data de corte etário para 31 de março e estabeleceu a competência do MEC para a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário. E não há que se dizer que a Lei Estadual se sobreponha às Resoluções do MEC, por que estas têm força Normativa, nos termos do §1º do art.9º da LDB(1).
E, sob a perspectiva do §4º do art. 24 da CF, por entendimento do próprio STF, em julgamento de Ação Declaratória de Constitucionalidade, a competência para a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário é do MEC, e portanto da União, o que já ocorreu em outubro de 2018, através da Resolução n.º 02/2018 CNE/CEB, que por força do §1º do Art. 9º da LDB, tem força normativa.
Desta forma, a conclusão a que se chega é a da ineficácia da Lei Estadual n.º 15.344 de 27 de dezembro de 2019, nos termos do §4º do art. 24 da Constituição Federal(2), pelo que, recomenda-se, s.m.j., que as instituições de Ensino Público e Privado, devem atender às disposições e determinações da Resolução CNE/CBE n.º 02/2018.
Por fim, na eventual argumentação de que a decisão do STF não pode produzir efeitos por que ainda não publicado o seu acórdão, por que, como já decidiu o Tribunal Pleno do STF, na Reclamação nº 2.576-4 Santa Catarina (2004) e nos Embargos de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.756-1 Distrito Federal (2007) – as decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a exemplo das ações ADC e ADPF, produzem efeitos a partir da publicação da ata de julgamento. No caso relativo ao corte etário, esse momento ocorreu precisamente no dia 8 de agosto – uma semana após o julgamento.
por Luciano Escobar
REFERÊNCIAS
(1) Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Art. 9º A União incumbir-se-á de:
(…)
- 1º Na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei.
(…)
(2) Constituição Federal: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(…)
- 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
(3) https://www.conjur.com.br/2018-nov-17/alessandra-gotti-corte-etario-ano-letivo-2019, Acessado em 02/01/2020