A solução de inventários complexos passa muito mais pela pacificação da relação entre os sucessores do que pela organização dos valores e bens envolvidos.
Herdeiros que brigam pelo patrimônio deixado pelo familiar falecido “esquecem” que estão apenas recebendo algo construído pelos pais (ou antepassados) e que deveriam ser verdadeiramente gratos pelo que há para receber.
Na maioria das vezes, quem recebe a herança não ajudou a construir o que está recebendo. E, mesmo que o tenha feito, não estaria obtendo tais bens se não fosse o esforço dos antecedentes que, de alguma forma, produziram antes aquele patrimônio.
A postura ideal, quanto aos bens, deveria ser somente de gratidão. Ou seja: sentir-se grato por estra recebendo algo, entender o que lhe cabe conforme a lei e seguir a vida a partir daí, construindo seu próprio patrimônio e legado.
Vemos, na prática, sucessores lutando entre si, com fundamento em supostas injustiças patrimoniais, contando centavos e apegando-se a questões materiais que, aos olhos externos, seriam de pouca relevância.
Por que isso acontece? Porque tais embates são a fachada para um conjunto de desequilíbrios do sistema familiar não resolvidos ao longo do tempo.
Vejamos alguns exemplos da vida real:
– O filho que sentia que a mãe “sempre preferiu” o irmão mais velho e, quando ela morreu, agiu inconscientemente para compensar a dor brigando anos para ficar com a casa da praia (onde o irmão mais velho morava).
– A filha que presenciava o pai agredir a mãe na infância quando chegava de viagens de trabalho. Quando o pai morreu, tratou de “falir” a empresa que recebeu de herança, pois, inconscientemente, aquilo era o motivo do mal que presenciou na infância.
– A esposa que não teve carreira profissional e culpa o marido. Quando este morre, disputa com os filhos (adultos) buscando ficar com os bens mais valiosos e compensar sua frustração.
– A irmã que nunca aceitou o irmão por parte de pai e quando este morre, usa de diversos artifícios para que o inventário “não termine”.
– Os filhos que viram os pais viverem às custas do avô rico e não sabem tomar decisões sobre o patrimônio.
– A filha do primeiro casamento que tomou as dores da mãe traída pelo pai e não aceita os irmãos da segunda união, criando empecilhos para o término do processo.
– A irmã que não cuidou dos pais doentes, pois sentia-se menos amada que o irmão, o qual assumiu os cuidados com os pais. Quando estes morrem, ela transporta sua frustração emocional e a briga com o irmão para o terreno patrimonial.
Poderíamos seguir exemplificando dezenas de emaranhados sistêmicos evidenciados nas disputas patrimoniais, pois ocorrem em 99% dos casos.
Não importa se o inventário é de R$ 100 mil ou de R$ 100 milhões: pessoas são pessoas. Os verdadeiros emaranhados do sistema familiar nunca são numéricos.
O que raramente se vê, no meio jurídico tradicional, é o entendimento de tais dores. Dificilmente são trazidas à tona (à análise consciente), e as partes ficam sem compreender, de fato, seus lugares no processo.
Contudo, depois que entendemos a dinâmica dos sistemas familiares, podemos resolver inventários complexos por acordos pacíficos, em que todos os envolvidos SINTAM justiça na divisão patrimonial efetuada.
Visualizar a disputa pelas lentes sistêmicas é, normalmente, o melhor caminho para buscar solução efetiva.
Lembrar que nossas dinâmicas familiares se regem por leis inconscientes facilita o distanciamento necessário do profissional que busca resolver o caso.
As partes envolvidas no processo de inventário complexo estão presas justamente em questões sistêmicas não curadas e, basicamente, decorrentes das três leis principais: pertencimento, ordem e equilíbrio entre dar e receber.
Nesses casos, portanto, a melhor justiça nunca é a decorrente apenas da lei, mas aquela que surge no íntimo de cada sucessor, pacificando as dores passadas e propiciando liberdade, a cada indivíduo, para seguir a vida – olhando sempre para frente.
por Luciana Farias