Logo após o início da Pandemia, as instituições de ensino, tanto de educação básica quanto de superior, autorizadas e recomendadas, por seus sistemas de ensino e pelo próprio MEC, passaram a realizar suas atividades de forma remota, não presencial, valendo-se de diversas plataformas on line, para que não houvesse a interrupção do processo de aprendizagem e escolarização de seus estudantes. Isso despertou alguns entendimentos de que o serviços educacionais não estavam sendo prestados tal qual como contratados, principalmente pela falta de previsão contratual da possibilidade de realização de atividades de forma remota, e que por essa modalidade as instituições de ensino estariam tendo uma economia expressiva nas suas despesas diárias, em razão, por exemplo, pelo não uso da sua estrutura física, destinada à realização de aulas.
Logo começaram a surgir rumores e movimentos a respeito da obrigatoriedade ou não da oferta de descontos ou redução das parcelas de anuidade, com posicionamentos pelos PROCONS dos Estados, até mesmo antagônicos, o que levou a emissão da Nota Técnica n.º 14/2020, pela SENACON dispondo pela não recomendação dos descontos lineares das anuidades escolares e pela negociação individual.
Diante da manifestação do SENACON, passaram a surgir por todo o Brasil, diversas Leis Estaduais pretendendo impor às instituições de Ensino Privado, principalmente as de Educação Básica – educação infantil até ensino médio-, a redução das suas parcelas de anuidade, em percentuais bastante expressivos, na ordem de 30% até 50%, sob a justificativa de que houve a redução ou cessação dos efetivos serviços prestados.
É preciso que se diga que toda e qualquer Lei Estadual que vise estabelecer a redução de anuidades ou semestralidades escolares é inconstitucional e, por tanto, incapaz de produzir os efeitos que pretendeu o Legislador Estadual.
Lamentavelmente, muitas vezes, por ausência de capacidade técnica na tramitação do projeto de lei, momento em que se deixa de analisar a capacidade de legislar sobre determinada matéria, ou por puro oportunismo eleitoral acabam surgindo essas aberrações jurídicas.
O que mais surpreende é que tanto as Assembleias Legislativas dos Estados, pelo parecer das suas Comissões de Constituição e Justiça, quando da aprovação do projeto de Lei, quanto o Governador do Estado, deixam de observar o princípio da hierarquia das normas e da integração e harmonização entre os sistemas de ensino, desrespeitando tanto o art. 24, IX da CF, quanto a lei das Mensalidades (Lei 9.970/99).
A Lei Federal n.º 9.870/1999, já de início em seu artigo primeiro afirma que o valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável, o que nos dá a completa dimensão e clareza de que a matéria atinente à fixação e/ou alteração dos valores de anuidade escolar é da União, que somente pode faze-la através de outra Lei Federal.
Veja-se então, que a inconstitucionalidade das Leis Estaduais ocorre por diversas razões:
A Primeira, no tocante a inconstitucionalidade formal, uma vez que é estabelecido pelo art. 22,I da Constituição Federal, a competência da União para legislar sobre direito civil, o que abarca as questões referentes aos contratos, o que parece óbvio, quando nos deparamos com a Lei Federal n.º 9.870/99, que versa exatamente sobre a fixação do valor das anuidade escolares e, portanto, regula as relações contratuais entre as instituições de ensino e seus contratantes.
Aliás, o próprio STF já se manifestou no sentido da inconstitucionalidade de norma estadual sobre obrigações ou outros aspectos típicos de contrato de prestação de serviços escolares ou educacionais[1].
Também há a inconstitucionalidade por que o Estado extrapola os limites da sua competência, ainda que concorrente, na forma como estabelecida no art. 24 da Constituição Federal. Significa dizer que ao Estado cabe legislar na omissão da União. Como não há omissão (vide Lei 9.870/99), norma estadual que pretender interferir na fixação ou no valor de anuidade escolar será tida como inconstitucional. Resumidamente, e no que interessa, somente na falta de existência de lei federal que regulamente a matéria, é que seria possível ao Estado legislar sobre ela, o que não é o caso das anuidades escolares, uma vez que, repete-se, há a Lei Federal n.º 9.870/99. Logo, parece claro e evidente que a competência da União está presente.
Assim, sob este conjunto de perspectivas as legislações Estaduais mais do que ineficazes, ao nascerem sem produzir efeito algum sobre situação de fato e de direito já regulamentada no âmbito de quem tem a competência para tanto: União Federal, são inconstitucionais, uma vez que à União cabe a edição de normas gerais, enquanto aos Estados cabe legislar de forma supletiva ou complementar (CF, art. 24, §§ 1º e 2º).
por Luciano Escobar