DA MEDIDA PROVISÓRIA 927 – AS ALTERNATIVAS PARA AS RELAÇÕES TRABALHISTAS AFETADAS PELA CALAMIDADE PÚBLICA DO CORONAVIRUS
Ao final do dia 22/03, foi publicada a MP 927, que dispõe acerca de medidas trabalhistas para a crise e calamidade pública que estamos vivendo.
A primeira situação trazida pela norma é que o já se sabia: estamos diante de caso de força maior, previsto no art. 501 da CLT. Isto traz dois reflexos imediatos:
1 – Se houver extinção da empresa ou de um de seus estabelecimentos (filial, por exemplo), as verbas rescisórias equivalem à metade do que seria devido em caso de demissão sem justa causa;
2 – É possível aplicar redução de salários, limitada a 25%, desde que o valor resultante não seja inferior ao do salário mínimo regional.
Embora a MP estimule o acordo individual entre empregador e empregado, há de se atentar para os art. 611-A e 611-B da CLT, que preveem as situações que podem ser tratadas nesse acordo.
Por exemplo, não se poderá igualar o valor do trabalho noturno ao do diurno, nem se suprimir o repouso semanal remunerado, pois isto é vedado.
A norma também estimula o teletrabalho, a antecipação de férias individuais e a concessão de coletivas, o aproveitamento e antecipação dos feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas de saúde e segurança do trabalho, o direcionamento do trabalhador para qualificação e o diferimento do pagamento do FGTS.
Vale esclarecer cada item, a fim de evitar ainda mais mal-entendidos:
TRABALHO A DISTÂNCIA
Tanto no caso do teletrabalho quanto em outras formas de trabalho remoto, é dispensável o registro de tal situação no contrato de trabalho, bastando que o empregador faça as devidas comunicações com prazo mínimo de 48 horas, por escrito ou meio eletrônico. Neste caso, é importante que o empregador mantenha um canal de comunicação ativo com seus funcionários, podendo ser aplicativos de mensagens ou e-mail, sempre com prova de que o empregado tenha recebido o comunicado.
Sobre os equipamentos e infraestrutura para viabilização do trabalho, bem como regras de ressarcimento de despesas, deve haver previsão em acordo escrito, com prazo de até 30 dias a partir da publicação da MP para ser feito.
Também prevê a norma que o tempo de uso de aplicativos e outras formas de comunicação fora da jornada de trabalho não se configura como tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso, salvo previsão diversa em acordo. Mesmo assim, recomenda-se fortemente que apenas se contate o empregado fora de sua jornada em caso de extrema necessidade.
FÉRIAS
Mesmo que o empregado ainda não tenha completado seu período aquisitivo, poderá o empregador antecipar as férias, fazendo a comunicação com 48 horas de antecedência, sendo que os períodos não podem ser inferiores a 5 dias corridos.
Também poderão ser antecipados períodos futuros de férias, ou seja, relativos a períodos aquisitivos que sequer se iniciaram, desde que com acordo por escrito.
A prioridade para gozo de férias é de funcionários do grupo de risco do COVID-19.
Ao contrário do previsto no art. 145 da CLT, o terço de férias pode ser pago junto do décimo-terceiro salário, ou seja, esse pagamento não precisa ser antecipado. Tampouco é necessário antecipar o pagamento do período de férias, podendo o mesmo ser feito até o 5º dia útil subsequente ao início da fruição.
Em relação às férias coletivas, basta também fazer a comunicação prévia ao grupo de empregados atingido com o prazo de 48 horas, ficando dispensada a comunicação aos órgãos públicos e sindicatos.
ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS
Poderá o empregador antecipar o gozo de feriados não religiosos, devendo comunicar com 48 horas de antecedência, indicando quais feriados estão sendo antecipados.
Ou seja, o empregador pode conceder os feriados dos dias 07/09 e 15/11, por exemplo, possibilitando que haja trabalho nesses dias sem pagamento extra. Os feriados estaduais e municipais também podem fazer parte dessa regra.
BANCO DE HORAS
Mesmo as empresas que ainda não possuam banco de horas, poderão fazê-lo, desde que haja acordo individual ou coletivo por escrito, para compensação em até 18 meses após o fim do estado de calamidade pública.
Ou seja, as horas não trabalhadas neste período poderão ser compensadas adiante com horas extras (até o limite de duas por dia), sem que haja pagamento do adicional.
Da mesma forma, empregados que tiverem que trabalhar mais neste período (também até o limite de duas horas extras por dia), como no caso de profissionais da saúde, poderão adiante receber a devida compensação com folgas, em até 18 meses após o fim oficial da calamidade.
DA SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS
No período de calamidade, fica suspensa a obrigatoriedade de exames médicos ocupacionais, salvo no caso dos demissionais, que continuam obrigatórios (salvo no caso de exame ocupacional ter sido feito no prazo de 180 dias antes da demissão).
Também está suspensa a obrigação de treinamentos previstos em normas de segurança e medicina do trabalho, os quais podem ser feitos por meio de cursos a distância.
DIFERIMENTO DO FGTS
As competências dos meses de março a maio de 2020 poderão ser pagas em até seis parcelas, sem encargos, sendo o primeiro vencimento em julho, devendo haver declaração dos valores até 20 de junho, sob pena de não ser permitido o benefício.
OUTRAS SITUAÇÕES PREVISTAS
A norma permite a prorrogação de jornada para empresas da área da saúde, por acordo individual, mesmo no caso de atividades insalubres e do regime de 12 x 36, bem como a adoção de horas suplementares entre a 13ª e 24ª hora sem que haja penalidade administrativa.
Estabelece, ainda, que casos de coronavírus não serão considerados doenças do trabalho, salvo comprovação de nexo causal. Ou seja, caso provado que o empregado adquiriu a doença em serviço, haverá configuração da doença ocupacional.
O art. 18, que previa a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, para qualificação profissional do trabalhador, sem exigência do pagamento de salários, foi revogado pouco depois da publicação da norma, face à grande repercussão negativa.
Mas normas sobre redução salarial devem ser publicadas em breve, pois é medida que pode evitar demissões em massa.
Por fim, a MP convalida atos que tenham sido praticados nos 30 dias anteriores à sua publicação, desde que não conflitem com ela.
por Marcelo Oronoz