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CONFLITOS: RESOLVA-SE ANTES DE QUERER RESOLVÊ-LOS

Muito comuns no meio jurídico, as técnicas de resolução de conflitos trazem ferramentas importantes ao profissional que busca mediar e solucionar impasses trazidos pelos clientes, bem como questões problemáticas existentes em sua relação com os demais profissionais – dentro e fora do escritório.

Não fosse esse conjunto de técnicas, milhares de acordos não seriam firmados todos os dias, no mundo todo, e maior volume de processos assolaria ainda mais as cortes judiciais.

Contudo, é preciso reconhecer, por experiência, que de nada adianta o profissional dominar as técnicas de gestão de conflitos, se não mantiver constante trabalho de autoconhecimento e de entendimento profundo dos próprios dilemas internos.

Há que se entender que o mediador é também um ser humano complexo, com suas cargas emocionais prévias e com implicações psicológicas em temas que muitas vezes nem sabe que irão surgir em uma reunião onde se pretende solucionar um conflito.

Por mais que haja estudo e preparação técnica, se não houver compreensão dos próprios condicionamentos mentais, facilmente pode o mediador se emaranhar em obstáculos mentais e não conseguir priorizar a posição de neutralidade frente ao tema das partes conflitantes.

Evidentemente que neutralidade ou imparcialidade absolutas são metas ilusórias. Não existe ser humano sem bagagem emocional instalada. Não há quem consiga não se afetar, ainda que minimamente, na porção mais primitiva do cérebro, pelos fatos que se desenrolam em sua frente sem prévio aviso. Vale lembrar que fatos novos (e antigos não revelados) sempre surgem em sessões com partes conflitantes, as quais, por sua vez, podem não estar comprometidas com a busca do consenso ou, ainda, ter baixa maturidade emocional para trilhar o caminho até ele.

Não é culpa de ninguém. Muitas vezes, as reações psicológicas são inconscientes e estão além do nosso controle.

Todos nós reagimos imediata e automaticamente às pessoas e aos fatos aos quais somos expostos. Essas reações decorrem de projeções individuais baseadas nas experiencias de vida de cada um e as imagens mentais que, em fração de segundos, saltam à mente e geram sentimentos (medo, angústia, vergonha, raiva,  tristeza, satisfação, alegria, coragem, orgulho, etc) e sensações  (taquicardia, sudorese, garganta seca, calor, frio, dor de estômago, enxaqueca, tremores, lágrimas, etc) impactam diretamente no assunto do conflito – ainda que jamais tenhamos tido contato anterior com as partes, com seus negócios e demais participantes da relação conflituosa.

O que se pode modular é a intensidade de tais reações a fim de que não interfiram em nossa atividade mediadora. Na prática, “entramos” na condição de mediadores nos momentos de preparação e atuação nas reuniões de mediação.

Temos, assim, a obrigação de trabalhar nossas questões pessoais de forma cada vez mais profunda para que tenhamos maior facilidade de lidar com a diversidade de emoções e os vários tipos de personalidades envolvidos.

Exemplos:

  1. Conflito societário, onde um sócio desconfia da idoneidade do outro na condução do controle financeiro da empresa. Se o mediador já passou por algo semelhante ou teve alguém da família na mesma situação, há forte tendência a se posicionar – inconscientemente – da forma como a situação foi registrada em sua mente. Neste caso, é recomendável que se analise com antecedência a maior quantidade possível de informações do caso a mediar, de forma técnica, sistematizando os partícipes e os dados de forma neutra e objetiva, sem julgamentos e com a consciência de que aqueles sujeitos e fatos em nada se relacionam com a pessoa do mediador. Ainda, é preciso atentar para qualquer ímpeto de parcialidade durante o procedimento, o que pode aparecer na forma de preconceito, interesse maior pelo tema de algumas partes ou até desinteresse na própria mediação.

 

  1. Conflito familiar, relacionado a dissolução de união ou relação parental. Normalmente os mais difíceis, em razão da intensidade das emoções envolvidas. Da mesma forma que o exemplo anterior, se o mediador (ou seus familiares) vivenciou situação análoga e carrega marcas psíquicas (muitas vezes não temos consciência do que carregamos em níveis inconscientes e que somente é acessado por determinados gatilhos), o posicionamento imparcial é dificultado e a visão da solução é contaminada – o que prejudica a marcha da resolução do conflito, a qual não deve ser muito rápida para não suprimir abertura necessária das partes ou muito lenta a ponto de ensejar novos impasses entre os envolvidos.

 

  1. Conflito profissional, onde as partes têm problemas de relacionamento no âmbito do trabalho. Tanto as experiencias anteriores do mediador quanto suas projeções inconscientes nas pessoas dos indivíduos conflitantes podem atrapalhar a chegada ao consenso. Se o mediador tem questões não resolvidas com figuras de autoridade (muitas vezes há pendências com o próprio pai), poderá não ter empatia com uma das partes se for caso de posições hierárquicas com subordinação. Ou, se possui no histórico danos causados por funcionário a algum familiar, pode ter preconceito arraigado contra uma determinada categoria.

 

Os exemplos são infinitos, com múltiplas variações de contexto e intensidade, mas servem de guia para a tomada de consciência e para ultrapassar o modo automático de pensamento.

O foco, aqui, é a necessidade de resolver-se internamente para poder aprimorar o ofício de resolver os problemas trazidos pelos outros. Não apenas para facilitar o trabalho em si, mas para obter credibilidade e confiança de quem demanda a intervenção do mediador.

É preciso atentar, portanto, ao caráter essencialmente humano de cada um, o que faz das interrelações contextos únicos e não robotizáveis.

 

por Luciana Farias